Há-de vir um dia em que chega a tua carta
e há-de vir um dia em que já aqui não estou
e um momento sem eco a fim de ser silêncio
já sem reverberar da perda nem do dano. E
há-de haver uma noite para todos os cantos
até os mais obscuros nos limites da voz
e outra que se ergue entre todas sonora
de um líquido frio que queima como a neve
e faz ver o sol levantar-se com ela. Essa
voz que conjuga uma e todas as letras
aquelas que ficaram aquém dos alfabetos
num modo de a tristeza se esquecer de si
mesma. E num clarão de luz
ou num rasgo inesperado tornar-se coincidente
o que nasceu partido. E há-de haver um feixe
de rosas muito claras a deitar-se na aurora
com a penumbra das casas. Um chão
onde se acaba o teu caminho e o meu. Onde
possa ir deitar-me numa noite sem fim
em que já nada espero.
Bernardo Pinto de Almeida